Questionada se sofreu preconceito na faculdade de Direito, ainda dominada por brancos, Darci diz que acha que “não”. No entanto, ela conta que os colegas se surpreendiam com uma indígena no ensino superior e logo se dá conta de preconceitos não escancarados.
“Ainda tem muito isso, essa visão de acharem que o indígena não tem capacidade. As pessoas pensam: não vou dar uma coisa mais difícil para ela fazer porque ela não vai saber. Aí, nesse sentido, sim, passei por isso”.
“Sempre procurei estudar e provar que a gente é capaz, só basta uma oportunidade. Para a gente é muito difícil, porque meu pai e minha mãe são indígenas, somos de comunidade, então até mesmo arrumar emprego é difícil, e a gente conseguiu”, diz.
Darci conta que sempre quis cursar Direito porque sabia que, na profissão, poderia ajudar muitas pessoas.
“E eu vi isso quando voltei a São Gabriel, o quanto a gente pode fazer a diferença na vida daqueles que não podem ter acesso à justiça. Vi a carência da população, que é prejudicada no seu direito por não conhecer a lei”, comenta.
Darci teve que retornar à cidade natal para cuidar da mãe, que tem 82 anos e é diabética.
São Gabriel da Cachoeira é conhecida como a cidade mais indígena do país: no município 90% da população é de indígenas. Segundo Darci, os moradores da cidade são muito carentes de acesso à Justiça.
“As pessoas mais pobres não têm como alcançar isso. A população é 90% indígena, então, quando eu falo ‘os pobres’ é sempre a população indígena”, diz.
Após se formar, Darci voltou à cidade natal para cuidar da mãe, Amélia Gama, de 82 anos, e começou a advogar. O foco eram os concursos, em especial para a Defensoria. Mas era preciso garantir o sustento. E, quando começou a atender, havia muita gente que não tinha como pagar.
Rapidamente se espalhou a notícia de que havia na cidade uma advogada que dava atenção aos mais pobres e aos indígenas, atendendo de forma gratuita. “As pessoas falam uma para a outra. São muito carentes, não têm de onde tirar dinheiro para pagar”, ressalta.
Como precisava ganhar dinheiro, Darci diz que prometeu a si mesma não mais atender de graça, mas acabou não cumprindo a promessa.
“Quando chega a pessoa desesperada, chorando, eu não tenho como negar. Se negar, acho que não consigo nem dormir. E quando sai uma decisão favorável, nossa, me sinto muito bem, fico muito feliz”, comenta.
Atualmente, ela sonha em fazer a diferença na vida das pessoas que mais precisam, em especial, os povos originários que resistem na região.
Darci também é uma das idealizadoras do Projeto Mari’s, junto com a amiga Paula Cristina Peixoto, mãe de uma menina com microcefalia. É uma iniciativa social que busca a inclusão de crianças com deficiência, em especial as indígenas, e também presta suporte às famílias, com doações de alimentos, fraldas e cadeiras de roda, além de visitas.
“As mães, a maioria indígena, escondem as crianças porque, na mente deles [indígenas] ter uma criança com deficiência é um castigo por alguma coisa que você fez. Elas passam a ter vergonha da criança. É uma questão cultural. Eles não aceitam crianças com deficiência”, explica Darci.
Antes da pandemia, o projeto realizou um desfile beneficente com as crianças. “Foi lindo. Tinha crianças que nunca tinham sido vistas. Algumas eram bem tristinhas e no dia do desfile estavam sorrindo, alegres, acenando para o público”, conta.
Depois, as atividades ficaram restritas à entrega de sopa nas casas das famílias. São cerca de 30 atendidas pelo projeto. Mas, agora, o plano é retornar à normalidade das ações sociais, aos poucos.
Analista jurídica, ela agora pretende se tornar defensora pública. Ela já se inscreveu para o próximo concurso.
“Posso fazer uma diferença maior sendo da Defensoria, porque eu conheço a realidade deles [indígenas]. Eles vêm de comunidades resolver alguma coisa, remando, ou naquelas ‘rabetinhas’, e não conseguem”, diz.
“Através da Defensoria, vou alcançar isso, fazer a diferença na vida das pessoas que mais precisam, que são os indígenas”, conclui.